segunda-feira, 13 de abril de 2009

peguei emprestado porque diz tudo

 

Rui Castro escreveu na Folha de S. Paulo

Nuvem na parede
RIO DE JANEIRO - Um dia, Danuza Leão me disse que preferia casar com jornalistas porque eles eram safos, saíam tarde do trabalho e, ao chegar em casa, contavam os bastidores das notícias. Isso descreve os três homens com quem ela foi historicamente ligada: Samuel Wainer, Antonio Maria e Renato Machado. Mas, pelo menos até há pouco, a maioria dos jornalistas correspondia a essa descrição.
Estivesse hoje a fim de casar de novo, Danuza não teria tanta escolha, pelo menos aqui no Rio. Desde quarta-feira, por exigência do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, repórteres, redatores, fotógrafos, diagramadores etc. estão obrigados a assinar o ponto ao entrar e ao sair de suas redações.
Com isso, ficamos avisados: se um carioca cometer algo que se possa chamar de notícia, que seja dentro das oito horas do expediente dos profissionais. E, de preferência, não nos 60 minutos reservados ao almoço ou descanso remunerado embutidos nas sagradas oito horas. Fora desse turno, o repórter estará na lei se não tomar conhecimento do assunto, poupando o patrão de pagar-lhe as horas extras previstas pelo sindicato.
Há anos, num congresso da categoria, um repórter de festejada revista semanal disse que o jornalismo era uma profissão "como outra qualquer". Pedi vênia para discordar. Aleguei que, encerrada a jornada, um tocador de oficlide, um amestrador de pulgas ou um taxidermista volta para casa, retoma sua condição humana e se desliga de sua profissão. O jornalista não.
Como sua matéria-prima é a informação, principalmente a que entra, ele não desliga nunca. O bombardeio não para. Até quando dorme e sonha ele recebe informações. Logo, não é uma profissão como outra qualquer. Impor relógio de ponto ao jornalista é como querer espetar uma nuvem na parede.

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