E normal o início de um ano começar lento. O meu caso foi bem diferente. Tudo começou normal. As últimas duas semanas do ano foram os mesmos deja vi de sempre. Parecia que ia acontecer tudo igual quando, logo depois da meia-noite do dia 31 eu quebrei o maior pau com a minha cunhada. A mulher mais sem noção. Foi bom pra aprender que tudo é relativo sim, mas tem pau que nasce torto mesmo e nunca vai se endireitar.
Quando passou a quebradeira, pensei que as primeiras horas poderiam ser diferentes, mas o resto seria igual. Um mês de janeiro mofando na cama e aprontando nos finais de semana. Mas tudo mudou no dia 02 quando um amigo foi brutalmente assassinado por um cara que, mesmo sem ser réu primário, responderá ao processo em liberdade e já está lá, na lanchonete dele trabalhando. É triste ver como a justiça brasileira protege. Pior é saber que não há nada que possamos fazer. A lei do "olho por olho, dente por dente" não daria certo, eu sei, mas que dá vontade de fazê-la ser cumprida dá. E principalmente nas cidades do interior dos estados. Uma pesquisa publicada na semana passada mostrou que enquanto a violência caiu nas grandes cidades, ela cresceu assustadoramente no interior do país.
O que nós podemos fazer para mudar isso?
O que fazer para mudar o que está errado?
Como se portar em uma situação em que pessoas ao seu lado ferem a moral e as normas sociais pré-estipuladas?
Meu início do ano não veio cheio de grandes festas, ou viagens dos sonhos ou amores de verão. Veio cheio de temor, raiva e medo de para onde estamos caminhando. No fim do ano li um texto muito bom sobre como seria bom se o novo ano fizesse uma visitinha ao asilos dos anos velhos e conversasse com eles para não cometer os mesmos erros. Acho que seria um crescimento para todos.
Abaixo está o texto retirado da Folha de S. Paulo
No Asilo dos Anos Velhos
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É um casarão enorme e decrépito. Agora abriga 2006 hóspedes que lá vivem em condições desconfortáveis
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Entra ano, sai ano, a verdade é que os heróis são eternos.
Para onde vão os Anos Velhos? Este é um segredo que vem sendo cuidadosamente guardado há muito tempo, talvez porque envolva uma verdade dolorosa.
Ao contrário do que se poderia pensar, nenhum destino glorioso é reservado aos anos que findam. Eles terminam sendo recolhidos ao Asilo dos Anos Velhos, situado em lugar incerto e não sabido. É um casarão enorme e decrépito, tão decrépito quanto seus hóspedes. Atualmente abriga 2006 hóspedes que lá vivem em condições desconfortáveis: quartos minúsculos, vários dormindo na mesma cama. E este não é o maior asilo: o dos Anos Velhos Judaicos, por exemplo, abriga mais de 5000 hóspedes.
O que fazem os Anos Velhos em seu asilo? Não muita coisa. Partindo do princípio segundo o qual recordar é viver, ficando ruminando as lembranças do passado, às vezes em monólogos, às vezes em diálogos, estes freqüentemente ásperos.
Ao contrário do que poderia se supor, existe pouca solidariedade entre os Anos Velhos. Pouca solidariedade e muita hostilidade. "De que você está se gabando?", pergunta um Ano Velho a outro. "Durante sua gestão o crescimento econômico foi insignificante." Ao que o interpelado responde, ofendido: "É, mas durante sua gestão a inflação disparou e tornou-se incontrolável".
Note-se o uso da palavra "gestão". Os Anos Velhos consideram-se os administradores, quando não os donos, de um certo período de tempo. Não se conformam com o fato de que este período de tempo possa estar esquecido: "Na minha época é que era bom", afirmam, com freqüência.
Visitemos o Asilo dos Anos Velhos. Ali encontraremos todos os anciãos, alguns sentados em bancos no jardim, outros caminhando a passos trôpegos, alguns adormecidos em cadeiras preguiçosas. Constataremos que eles se conhecem uns aos outros por números: "Como vai você, 1942?", "Bem, e você, 1931?" Alguns dos Anos Velhos se consideram privilegiados. Por exemplo, 1789 fala com nostalgia da Revolução Francesa: "Aquilo era bonito, as cabeças cortadas caindo da guilhotina". Ao que 1917 responderá: "Que nada, meu velho, seu sonho não durou muito, o capitalismo engoliu a revolução de vocês. Agora: a minha revolução, a Revolução de 1917, esta sim mudou a face do mundo". Não, dirá 1776, o que mudou a face do mundo foi a Revolução Americana. E ali ficarão discutindo durante muito tempo: os anos, como os heróis, são eternos.
O 1º de janeiro é, para os Anos Velhos, um dia de muita expectativa. Exatamente no primeiro minuto depois da meia-noite eles recebem o mais recente Ano Velho. Que é sempre calorosamente acolhido (depois é que começa o bate-boca).
Quem nunca visita o Asilo é o Ano Novo. Não por falta de convite: os Anos Velhos gostariam de conhecer o robusto menino que vai viver o seu dia de glória. Mas o Ano Novo diz que não quer nada com a velharia, que sabe perfeitamente o que fazer e que não vai perder tempo deixando de ir ao Réveillon para entrar num asilo. Coisa que deixa os Anos Velhos ressentidos. O tempo lhe ensinará, resmungam. E a verdade é que não deixam de ter certa razão.